quinta-feira, 24 de abril de 2008

Oferta, demanda, sardinhas e tubarões



Por Conrado Navarro*

Onde fica a educação financeira diante do cada vez maior desejo de consumir e bombardeio por parte das propagandas? O questionamento é parte fundamental do exercício de educar financeiramente nossos pares e deve ser encarado de forma séria e responsável. A corrida pelo correto gerenciamento de nossas finanças passa por certas “provas”, muitas vezes difíceis, sacrificantes e desestimulantes. De maneira geral, é na lacuna emocional criada quando questionamos os nossos desejos que as empresas atuam de forma mais incisiva. Um comercial, por exemplo, é uma ferramenta puramente emocional. O seu dinheiro não é.

Eliana Bussinger, mestre em Economia pela FGV-SP e colunista dos sites Infomoney, Mulher Invest e Vya Estelar, explica essa relação:

"A sociedade brasileira, que está mostrando uma face de maior sofisticação na última década, impele as pessoas a copiar o estilo de vida que vêem retratado nos programas de televisão. No comercial da margarina, não queremos apenas a margarina. Queremos tomar o café da manhã com uma mesa tão bem posta quanto a do comercial: o mesmo jogo de pratos, os talheres, os armários maravilhosos de cozinha, as flores sobre a mesa, o lindo cão de caça golden retriever”

É visível o quão além da “margarina” as pessoas andam tentando chegar. Isso é o que torna a indústria da propaganda ainda mais resiliente e lucrativa. E há de ser assim, afinal eles são profissionais e também merecem sucesso. Do lado de cá, do lado das pessoas que se importam com seu dinheiro, estamos nós, voluntários e profissionais, lutando por qualidade de julgamento e informação. Equilibrar oferta e demanda sempre foi um desafio para os profissionais envolvidos com mercado e economia. Acredite, na sua casa, na sua vida pessoal, não é diferente.

Neste cenário de estabilidade econômica, inflação controlada e consequente aumento do poder de compra, a enorme oferta de produtos e seus belos comerciais são amplamente absorvidos pela população brasileira. Simplificando, a publicidade nunca funcionou tão bem. Aqui, não cabe um estudo estatístico específico da área, mas uma breve opinião sobre o enorme universo de pessoas que se enforcam para viver além da “margarina”. Crédito obtido de maneira fácil, muitas compras parceladas e dívidas roladas indefinidamente são a realidade de muitos brasileiros e seria hipocrisia de nossa parte tratar o tema com falso moralismo. A verdade, mais cruel, é que a grande maioria de nós não vai conseguir sair das dívidas ou investir no futuro se quiser seguir o estilo de vida que nos mostram na televisão ou nas revistas.

Atitude e informação.

A transformação das indústrias de tecnologia, comunicação e publicidade também foi acompanhada pela evolução das alternativas financeiras de investimento e poupança. Em suma, os bancos e serviços financeiros sofreram grandes mudanças nas últimas décadas, apresentando alto grau de sofisticação em alguns segmentos. Isso significa notar mais produtos disponíveis para o consumidor, melhores chances de obter maior rentabilidade e possibilidade de planejar melhor o futuro. Cabe a nós optar por estudar melhor estas alternativas.

Vejo pessoas estudando por diversos dias a compra de um novo televisor, pesquisando aspectos técnicos, preços, prazos de entrega e suporte pós-venda. Tal atitude os classifica como cidadãos inteligentes, responsáveis e diferenciados. Não raro, essas pessoas não gastam nem metade do tempo dedicado ao produto para investigar sua capacidade de pagamento, seu fluxo de caixa e sua real necessidade diante da oferta. Onde está a coerência? A questão não é tão simples quanto parece, é verdade. Informações sobre a TV podem ser encontradas com uma facilidade incrível, tanto na internet quanto fora dela. Informações e análises corretas de seu orçamento familiar, dos produtos bancários disponíveis em seu banco e do seu futuro financeiro ainda estão em falta nas “prateleiras” brasileiras. Bem vindo ao mundo real, onde a coerência é fruto do relacionamento entre “tubarões” e “sardinhas”.

Sardinhas e tubarões?

Para alguns, os termos representam o funcionamento de parte do mercado financeiro. Os inocentes, carinhosamente apelidados de “sardinhas”, acabam sendo engolidos pelos “tubarões”, os verdadeiros investidores e especuladores. A comparação é válida, engraçada e verídica, mas extrapola o mercado especulativo e de ações. Onde há alguém querendo vender bem seu produto, deve haver alguém querendo comprá-lo, ou a cadeia produtiva não se encerra. Cabe ressaltar que muitas vezes esse relacionamento é “forçado”. Ouso agregar minha opinião à metáfora:

  • Não há mal algum em ser “sardinha”. Uma “sardinha” cuidadosa, disciplinada e observadora sabe a hora certa de sair nadando mar afora. Sabe, também, onde se escondem os “tubarões”, seus hábitos e rotas preferidas.
  • “Sardinhas” são um prato cheio, especialmente se andam em grupos muito grandes. Imagine um cardume gigante, com milhões de “sardinhas”, que sofre um ataque de um “tubarão” furioso. Quantas “sardinhas” um “tubarão” consegue abocanhar de uma vez? Ah sim, aquela pobre “sardinha” afundada no meio do cardume nem vê o ataque e sequer tem chance de reagir. Vapt!
  • Você não precisa ser um “tubarão”. É uma questão física, de volume e espaço. Não importa quem inventou a “água”, cabem muito menos “tubarões” em sua imensidão que “sardinhas”. Lembre-se da sardinha observadora.

Não se trata de uma guerra

A publicidade, o comercial e a propaganda precisam existir. Eles são o ponto de contato entre uma empresa e seus clientes, são uma ferramenta de adaptação à opinião dos consumidores. Como um profissional não relacionado à publicidade, limito-me a dizer que tudo isso é relevante porque nos coloca diante de novas oportunidades.

É claro que as grandes empresas, tidas por alguns como “tubarões”, criam oportunidades pelo bem do negócio. No entanto, a mordida final só acontece com anuência da “sardinha”. Que guerra dá ao inimigo a opção de sobreviver? Vivemos no capitalismo (parem de negar isso) e diante de uma economia de mercado, de oferta versus demanda. Ainda assim, o dinheiro só sai do seu bolso se você quiser.

Não adianta limitar nossa exposição ao que é bacana, barato ou legal. Censurar, limitar e reclamar são atos que transferem a culpa aos outros. Não adianta limitar a demanda, reprimindo a inovação e a criatividade das empresas. A solução, a meu ver, é mais objetiva e menos dramática: cabe a nós definir o limite do que é bacana, barato ou legal. Se mesmo depois de bem avaliados os aspectos financeiros da negociação, você decidir consumir, a “mordida” será pequena e o “machucado” certamente cicatrizará.

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*Conrado Navarro, 27, é consultor de finanças pessoais e investimentos. Com formação técnica e MBA Executivo pela UNIFEI, ministra palestras, mini-cursos e workshops para empresas, comunidades e estudantes em toda região Sudeste. É sócio-fundador do Dinheirama - www.dinheirama.com - onde mantém artigos, opiniões e grande parte de seu trabalho disponível de forma gratuita.

Nota: Este texto foi reproduzido com autorização do autor. Sua reprodução a partir deste site está terminantemente proibida.

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